Dom Aloísio Lorscheider e o Evangelho sertanejo nas fazendas comunitárias.

Na Aratuba querida
Por ele tão visitada
Se reunia com a gente
Debaixo de uma latada
Quando era aqui no sertão
Comia nosso pirão
Dormia em nossa morada

Assim cantou o poeta Alfredo Paz em seu cordel comemorativo dos 50 anos da libertação da terra e dos meeiros nas fazendas São Miguel, Ipueira da Vaca e Logradouro, no sertão de Canindé. O folheto foi distribuído durante a missa que, além do cinquentenário da Reforma Agrária, celebrava os 38 anos da doação das terras compradas pela Igreja para o INCRA em 1986 e o início do ano comemorativo do centenário de Dom Aloísio Lorscheider. 
A importância do cardeal nesse processo de libertação é imensurável. Sua dedicação e sensibilidade encantam até hoje os que tomam conhecimento do seu trabalho. Mas o encantamento também se deu da parte de Dom Aloísio. Encantou-se ele com as comunidades que mesmo em meio ao sofrimento demonstravam grande delicadeza, bondade e cortesia. Aqui, transcrevemos uma carta, uma obra prima não inferior aos escritos apostólicos, que o próprio cardeal enviou às comunidades da paróquia de Aratuba no final de 1995. Eis o texto:
Aparecida, 28 de dez de 1995

Queridas Comunidades da Paróquia de Aratuba,

Quando deixei o Ceará, não consegui mais voltar a Aratuba e despedir-me pessoalmente de vocês. Sabem que vocês estão muito dentro do meu coração. Aprendi muito com vocês. Quando, em 1973 cheguei a primeira vez em Aratuba e depois nas comunidades, existia um clima de desconfiança por parte de certas Autoridades em relação a vocês. Uma vez me disseram que vocês todos eram comunistas. Já pensaram? 
Eu tinha outra ideia de vocês. Aos poucos fui tomando conhecimento da vida de vocês. E gostei muito. Certas reuniões de vocês deixaram em mim uma profunda impressão. Impressão muito boa. Impressão de gente que estava tomando a sério a vivência do Evangelho. Vocês cresceram muito. Tiveram muitas boas iniciativas. Nem tudo deu certo. Mas, o importante é que a maioria deu certo e vocês perseveraram. Ficaram firmes. E ainda estão firmes. Continuem sempre assim. Não entreguem os pontos. Vocês estão no caminho certo. 
Pela minha vida afora não encontrei tanta vida de Evangelho como entre vocês. Vocês são gente simples.  Mas é desta gente que Jesus gosta. Como disse Jesus: Dos simples é o Reino dos céus! Sim, dos simples. Daqueles que o mundo considera sem valor, diante de Deus tem tanto valor. "Louvo-te, Pai do céu, porque escondeste isto aos sábios e entendidos do mundo, e o revelaste aos pequenos, aos humildes" (Mateus, capítulo 11, versículos 25 e 26).

Quero agradecer muito a amizade que tiveram sempre para comigo. Lembro o Caboclo caçando os nhambús e preparando-os para mim com toda a delicadeza. Ele ficava numa satisfação única podendo oferecer-me os nhambús fritos. Muito obrigado a ele! Mas nos nhambús ia toda a bondade e cortesia de vocês. 
E quando eu vinha a Aratuba, mesmo nos tempos de seca, vocês enchiam o altar de tanta verdura, legume, ovo, galinha, que eu nem conseguia levar tudo no carro. Quanto sacrifício da parte de vocês... E depois, a ajuda contínua de vocês para a casa dos Missionários em Aratuba... Seria longo enumerar tudo o que vocês fazem e continuam fazendo. O bom Deus abençoe-os por tudo isso; abençoe as suas comunidades; as suas famílias; os jovens; os adolescentes; as crianças; as pessoas idosas, os doentes. A todos vocês.
Vou agora despedir-me de vocês. Quando receberem esta Carta, já terá começado o ano de 1996. Que Deus lhes dê um Bom Ano. Fico bobo de ver quanto aqui chove. Eu gostaria que vocês tivessem tanta chuva, tivessem um bom inverno... Confiem sempre em Deus. Ele não abandona os que nEle confiam. Perdoem também a este Amigo de vocês por algum exemplo menos bom que eu tenha dado. Recomendo todos vocês a Nosso Senhor Jesus Cristo. Para vocês todos a minha bênção e o meu abraço saudoso.

+ Aloísio Card. Lorscheider




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