Pe. Moacir: Entrevista ao Jornal O Povo
A trajetória religiosa do padre Moacir não é das mais comuns
na igreja. Entrou já adulto no seminário, chegou a ser expulso por um tempo em
virtude de suas ideias questionadoras e acabou sendo responsável por um
movimento de trabalhadores rurais em Aratuba, que lhe rendeu a alcunha de padre
problema. A luta, que gerou a desapropriação de três fazendas na época da
ditadura, rendeu ainda a discórdia e ameaças de vida. Hoje, aos 77 anos, após
se aposentar, o padre Moacir voltou a morar em Aratuba, só que em uma casa
simples no assentamento Jardim, localizado em uma das fazendas desapropriadas...
Nesse tempo, recusou convites para entrar na política, apesar de ter conduzido
com os trabalhadores discussões sobre a melhor forma de criar um partido de
massas.
O POVO - Padre, o que o senhor está fazendo hoje?
Moacir Cordeiro Leite - Eu vou começar do começo, certo. Depois eu lhe digo. Eu
sempre fui ligado ao campo, Maranguape, Papara, distrito de Maranguape. Sempre
gostei de criar. Criava porco e quando chegava no tempo de vender eu entregava
a meu pai. Passava minhas férias lá. Eram dois meses de férias, dois meses
descalço. Toda vida fui assim. Ai veio o problema da ligação católica, fui
desenvolvendo muito, fui para o CPOR, fiz o vestibular para Engenharia e quando
estava no CPOR, na faculdade, achei que não era aquilo não. Não era o que eu
queria. Então fui experimentar o seminário.
OP - Com que idade padre?
M - Com 20 anos.
OP - O senhor entrou já adulto.
M - Foi. Eu vi que o que estava fazendo não era o mais certo, mas pelo menos eu
deixava dessa dúvida. Já tinha muita ligação com o pessoal da igreja e me
sentia bem na ação católica, evangelizando, nos congressos universitários. Ai
fui. Minha família não queria, mas eu decidi. Passei dois anos no seminário.
Ali, nós queríamos uma coisa mais aberta: visitar uma favela, naquele tempo não
se fazia isso.
OP - E como foi a aceitação?
M - Não foi boa. No fim eles expulsaram seis.
OP - Por quê?
M - Porque estávamos inquietos lá dentro. E tinham uns professores que só
faziam ler a matéria. Nós formamos um grupo que estudava antes a matéria e
fazíamos perguntas. Queríamos na verdade adotar um outro sistema. Já fazíamos
isso na ação católica e levamos para lá. Fomos expulsos.
OP - Quem eram esses seis?
M - Nesse tempo foi expulso o Teodoro (Deputado professor Teodoro e ex-reitor
da UVA), o Manfredinho (padre Manfredo de Oliveira) e os outros eram de fora. E
eu era tido como o principal agitador. Mas eram coisas simples que nós
fazíamos. Era um jornalzinho, quando tinha as reuniões nós pedíamos para falar.
OP - Mas até então não havia nenhuma orientação partidária?
M - Não, não. Isso foi em 1959, 1960. Então fui expulso. Passei dois meses como
expulso. Quando retomaram as aulas, o padre Zé Alberto Castelo conversou dom
Antônio de Almeida Lustosa, o arcebispo, e disse que a causa pela qual
estávamos lutando era justa. Ele me chamou (dom Lustosa) e disse que eu ia para
Olinda. E o que poderia ser uma punição foi melhor. Lá eu encontrei vários
conhecidos de ações católicas e ficamos lá. Os padres eram muito bons. Estavam
nessa luta toda, era o período de Miguel Arraes, método Paulo Freire, o Ariano
Suassuna era professor nosso. Era a fina flor. E como em Pernambucano tinha
aeroporto internacional, todo padre de fora passava por lá, tinha debate com a
gente.
OP - Mas quando dom Almeida lhe transferiu ele tinha conhecimento dessa efervescência
por lá?
M - Ele usou o exemplo de outro padre que ele havia mandado para fora do
Ceará e que se ajeitou e foi um bom padre. Ele achava que isso iria acontecer
comigo também. Mas eu acho que ele já sabia. Eu é que não, nem discuti nada.
Nem que fosse um forno se abrindo eu ia.
OP - O senhor então não sabia de nada de Pernambuco?
M - Não. Só que tinha alguns padres daqui. Padre Almeri, padre Sena. Cheguei lá
eram 20 dioceses. Foi uma evolução grande.
OP - O senhor teve contato com dom Hélder (Câmara)?
M - Ele foi depois, chegou em 1964. Mas quando eu cheguei lá
era o que eu sonhava. Quando chegamos lá, o diretor reuniu cento e tantos
seminaristas e disse: ‘vamos planejar o que fazer. O que vocês querem de
formação, como querem”. Tudo em grupo. Nem em sonho imaginava que ia acontecer
isso.
OP - Mas os que estavam lá tinham também essa visão mais avançada?
M - Tinham não. A metade sonhava, e a outra metade queria abertura, mas não
sabia de que jeito. Lá tinha gente de todo jeito. Nós nos reuníamos em grupo e
decidíamos tudo o que queríamos fazer. E apostolado. O que fazer, como íamos
visitar. Mas a gente pediu tanta coisa, que ao final eles disseram: ‘sim, essa
é a nossa parte, e a de vocês?’. Ai nós fomos formando equipes para fazer as
tarefas. Quando foi no fim do ano, a gente fazia avaliação de três em três
meses, e vimos que no final do ano não tínhamos feito nem a metade do que
havíamos pedido. Fomos amadurecendo entre o real e o ideal.
OP - Isso só dentro do seminário, até então não se havia extrapolado esses
muros.
M - Sim, só dentro do seminário. Mas os debates não paravam. E nos domingos,
devíamos só rezar ou ir para fora? Porque fora estava havendo uma grande
efervescência, com o pessoal de Miguel Arraes. E eles tinham (diretores do
seminário) tinham muita amizade com Arraes e com nós, que éramos cearenses.
Isso foi amadurecendo entre nós. Estava na prisão de Arraes, na posse de dom
Hélder, tudo serviu de aprendizado para nós.
OP - E 1964?
M - Olhe, 64 foi um ano de alegria. Foi assim um negócio tão grande. Dom Hélder
foi para lá depois do golpe. Ninguém podia falar nada. Na posse de dom Helder
(maio de 1964), extrapolou tudo. Ninguém podia falar nada, e ele falou pela
primeira vez. O povo batendo palmas, os militares fechando tudo para o povo não
entrar, e isso para a gente foi extraordinário. Depois dom Hélder sempre ia lá.
Até que chegou no meu último ano. E nós propomos que se nós íamos trabalhar com
os pobres, porque no último ano não podíamos ir morar com os pobres? Ai o
próprio reitor se chocou e eu quase ia expulso de novo. Ai um padre me disse
assim: ‘rapaz, aqui é a igreja mais avançada do Brasil, a gente recebendo uma
pressão enorme para fechar mais, se vocês estão querendo mais, é porque não
cabem nessa estrutura. É melhor sair’.
OP - Quem era?
M - Era dom Carlos. Ai eu disse: “tá certo, então eu vou”. Ai um padre disse:
‘rapaz, você se trate, aqui tem tudo à disposição de vocês, quando chegar o fim
do ano você sai’. Ai um dia dom Marcelo Cavaleiro me chamou: ‘rapaz, a gente
viu que sua prática pastoral é muito boa, sua fidelidade, seus votos etc, suas
notas são boas, queremos que você continue”. Eu vim para as férias em Fortaleza
e dom Delgado quis que eu não voltasse mais, que ele me ordenaria por aqui
mesmo. Mas resolvi voltar para ajeitar um galho que se quebrou.
OP - E depois que terminou os estudos lá?
M - Eu voltei para cá e fui ordenado por dom Delgado. Mas como sempre
participei dos movimentos por lá, fui fichado pela Polícia Federal. Quando eu
estava por aqui a ficha chegou.
OP - E o retorno a Fortaleza?
M - Quando voltei, dom Delgado me disse que eu iria trabalhar com a juventude.
Comecei por aqui e dois dias e meio por semana ia para o interior. Com o tempo,
estava dois e meio por aqui e quatro no interior. Nesse tempo a diocese era grande,
e eu ia a Crateus, Quixadá, Itapipoca, onde chamava eu ia. E entramos na
política estudantil.
OP - Como foi essa passagem?
M - Como tinha contato com os jovens, acabei mantendo relação com esse
movimento. Ai foi outro grande aprendizado, as passeatas. Conseguimos uma
declaração de dom Delgado apoiando os estudantes contra o governo. Mas nas
minhas andanças pelo interior acontecia uma coisa interessante. Em todas as
paróquias que eu ia, os padres sempre me deixavam tomando conta um, dois dias,
sozinho.Arranjavam alguma coisa para fazer fora da cidade e eu ficava tomando
conta. E quando fui a Aratuba, onde eu ia ficar quatro dias, o padre ficou
comigo, fazendo tudo, sem ser para vigiar. Mas para continuar. E eu fui me
ligando a Aratuba.
OP - Como é o nome do padre?
M - Padre Zé Maria. Um dia um agricultor me perguntou se eu tinha coragem de ir
à casa dele. Era uns 14 quilômetros, nós fomos a pé, visitando as casas, até
lá. Ai eu vi um submundo. Três crianças sem andar, de idades diferentes,
receita de três meses, quatro meses, sem eles terem dinheiro para comprar
remédio. Foi o meu primeiro mergulho verdadeiro na área rural. Ali foi o foco.
Nós ficamos indo com mais frequência. Dom Delgado vendeu o Palácio do Bispo e
fez a casa onde é hoje. E quando se mudou não chamou nem a mim, nem ao padre
Geovani, nem o padre Delgado. Eu aproveitei, botei minhas coisinhas em cima de
um caminhão e fui embora para Aratuba fazer meu trabalho. Ai começou a chegar
queixa dos militares que eu e o Zé Maria estávamos fazendo agitação na serra.
Dom Delgado então me propôs ir para o Canadá. Tinha muita agitação, e tal,
Polícia Federal. Eu disse: ‘não, eu quero fazer pós-graduação lá na Aratuba,
vou não”.
OP - Para além dessas queixas, o senhor já tinha recebido ameaças?
M - Tinha, mas só por telefone. De que eu estava com os dias contados, porque
não tinha ido para o Canadá. Mas o fato é que o trabalho ia crescendo. Por onde
eu andava os pobres iam acompanhando. Eles diziam: ‘é porque a missa do senhor
a gente entende’. Porque quando a gente ia para lá, passava o dia andando nas
casas. Ai mudava a concepção das pessoas. Quando a gente ia pregar, dormia na
casa das pessoas, almoçava em uma casa, jantava na outra.
OP - Mas qual era o discurso usado nessas missas?
M - A gente tinha vontade de saber se o evangelho era capaz de modificar a vida
das pessoas, ou era preciso levar as coisas, cesta básica etc. A gente levava
muito a ideia dos primeiros cristãos, da vida em comunidade. Ia refletindo com
eles. Eu passei seis anos andando a pé pela região. Isso ia mudando a cabeça
das pessoas e o nosso coração. No começo eles achavam que a gente ia tomar
coalhada, se deitar no alpendre, não sei o quê, e a gente deixando. Quando deu
fé os pobres começaram a subir. E começaram a procurar os padres para tratar
sobre as questões de terra. Eles diziam: ‘rapaz, eu não gosto disso, não. Mas
tem dois padres lá da serra que gostam dessas brigas, dessas confusões”. E a
coisa foi crescendo. A gente ficava em casa, de repente chegava um, dois, três,
doze a pé atrás da gente, e nós tínhamos que atender. O que é que podíamos
fazer? Não podia deixar de atender. Foi quando descobrimos o doutor Pinheiro
(Antônio Pinheiro de Freitas), que era advogado mas não exercia; às vezes vinha
a Fortaleza e voltava para receitar o povo com remédio. Fomos nos irmanando. É
tanto que a fazenda Monte Castelo, que era de um secretário do governo Virgílio
Távora, a 120 quilômetros dali, nós fomos buscar. A fazenda do Antônio Câmara,
presidente da Assembleia; do ex-prefeito José Walter, no Boqueirão, todas foram
desapropriadas pela nossa luta.
OP - Mas nessa época chegou a haver ocupação?
M - Não. Não tinha MST, nem Pastoral da Terra. Eram os padres de Aratuba.
OP - Mas tinham outros padres além do senhor e o padre Zé Maria?
M - Não.
OP - Os padres subversivos eram só dois?
M - Infelizmente. Zé Maria sofria mais do que eu. Era mais
emocionado. Chorava com aquela situação.
OP - Mas que tipo de situação vocês vivenciaram, de forma mais objetiva?
M - Primeiro: o fazendeiro dava a meia do algodão. Não recebiam nada para
trabalhar, até o dia que tiravam o algodão. Metade. Todo o pasto era deles
(fazendeiro). Botavam o gado antes de tirar o feijão e o milho. Quando o
agricultor tirava alguma coisa da colheita, era obrigado a vender ao patrão,
pelo preço que ele determinava. O patrão dava o preço e pagava quando queria.
Os filhos desses agricultores hoje, não acreditam quando a gente conta isso. Um
dia chegou uma família para nós toda inchada. Demos comida e uma semana depois
eles desincharam. Eram inchados de fome.
OP - Havia alguma tentativa de diálogo com o poder político ou esses
fazendeiros?
M - Era muito difícil.
OP - Mas não havia represália?
M - Não. Uma vez um soldado botou um revólver no pé do ouvido do Zé Maria mas não
teve coragem. Diz ele que apertou o gatilho, mas não sabe o que aconteceu.
Emperrou. Uma vez eu estava lá em Aratuba, ai chegou a Polícia, uns 10. Com
metralhadora e tudo, entraram na casa, viraram, mexeram tudo...Outro dia
mandaram fazer um treinamento antiguerrilha lá na praça. O Virgílio (Távora)
através do meu irmão (Moslair Cordeiro Leite), se dava com ele, mandou me
chamar. Era para propor comprar a fazenda Monte Castelo para eles irem para
outro canto. Ai disse que tinha havido umas badernas lá para os lados de
Caucaia. Eu tinha pregado lá, mas não tinha nada com isso. Ai ele me ameaçou
também. E eu almocei na casa dele. Quando cheguei lá, a dona Luiza, ele,
ofereceram o céu para o pessoal, mas com tanto que saíssem da fazenda. Ai ele
falou: ‘Olhe, padre Moacir, qualquer coisa que aparecer em outro município que
tenha o seu nome no meio em mando lhe prender". Tá certo.
OP – Mas o senhor chegou a ter atuação em outros municípios?
M – Teve. A gente começou a ser chamado. O boca-a-boca dos agricultores.
OP – Que tipo de outras atividades o senhor participou em outros municípios?
M – Para participar de assembleias, passar o dia com eles. Eu e umas irmãs
canadenses. O Zé Maria depois foi para Roma. E tinha a Maria Amélia, ligada a
causa dos índios.
OP – O senhor andou o Estado todo?
M – Quase todo. No Cariri eu não andei não. Iguatu, Itapipoca, Quixadá,
Crateús. E também tem uma coisa. Na medida que ganhava dimensão essa luta,
outros movimentos, sindicatos, por exemplo, nos chamavam. Eu ia. Ia com medo,
porque sou medroso. Porque o meu problema, é que foi de justiça eu ia. O
evangelho dizia, como é que o padre pode negar? A gente se baseava nisso, se
Jesus Cristo tivesse aqui, ele ia ou não? Pelas leis da igreja a gente não
podia ir. O monsenhor André Camurça dizia que os dois problemas da arquidiocese
de Fortaleza eram Zé Maria e padre Moacir (risos). O que a gente podia dizer
mais? Mas os bispos sempre tiveram com a gente. Dom Delgado dizia: ‘que coisa é
essa de subversão?’. Dom Delgado, venha. Ele foi, nós descemos para uma
comunidade lá nos Fernandes. Dormiu lá, depois foi lá no Jardim, e lá ele viu
as pessoas contando as coisas. Começou logo o pessoal contando que os
bodegueiros estavam proibido de vender fiado para os agricultores. Como é que
iam comprar, se o patrão passava meses sem pagar? Queriam que saíssem da terra.
OP – Agora o senhor também esteve envolvido em uma polêmica com o bispo de
Canindé dom Lucas Dole, quando ele chegou a sugerir que as coisas não podiam
ser resolvidas na base da violência e o senhor discordou.
M – A gente estava em uma assembleia, ai ele disse que era preciso ter calma,
cabeça fria. Ai eu disse: ‘pois eu venho aqui estagiar contigo”. Depois surgiu
o problema da Japuara, que foi uma fazenda onde houve a morte de um agricultor
dentro da casa. Destelharam a casa para matar o agricultor. E o Lucas foi lá.
Quando foi depois, ele disse para mim: ‘rapaz, esses fazendeiros só vão na
bala”. Ai eu: ‘não, Lucas, tu não disseste que era preciso ter calma? (risos).
OP – Pois eu refaço a pergunta, padre. Na sua concepção de evangelho, é
possível lidar com essas situações sem usar a violência?
M – Engraçado. Nessas lutas que nós tivemos, teve uma morte lá na Califórnia,
Quixadá. Foi dos gerentes. Agora o pessoal teve paciência demais. Mas não é
preciso. Lá em Monte Castelo, por exemplo, a desapropriação foi a
primeira vez que o Estatuto da Terra, depois de 15 anos, ainda do tempo de
Castelo Branco, que ele foi aplicado. O Jardim, o Monte Castelo e o Boqueirão.
Foi uma luta grande, eu passava noites sem dormir, pensando para onde é que nós
estávamos indo. Eu pensava: ‘se eu morrer, não tem problema. A questão é se nós
saíssemos, seria peia no lombo dos agricultores, porque eles só tinham nós’. Ai
começou o negócio a pipocar. Uma vez, um jovem na Faculdade de Direito, disse
que toda ação jurídica requer uma ação política; e toda ação política precisava
de uma jurídica. Isso me valeu, me vale ainda. Porque quando vejo que alguém
quer só usar uma ou outra, se lasca. Isso a gente fez no Monte Castelo. Fez na
prática. O jornalista Agostinho Gósson disse uma vez para mim: ‘Olhe, o
processo de Monte Castelo está parado porque falta um fato político”. Ai o
delegado sindical de lá recebeu uma ameaça de prisão e mandamos ele ir ao Assis
Bezerra (secretário de Segurança Pública). E o Agostinho foi. Ele era do Jornal
Meio Dia. Quando eles vão chegando o Agostinho bate uma foto. O secretário
endoidou. Expulsou o Agostinho, expulsou o advogado, e o líder sindical. No
outro dia o jornal estampou e pronto. Esse fato político encaminhou tudo. O
negócio foi tão sério que a única vez que o Conselho Presbiteral da
Arquidiocese de Fortaleza fez uma reunião fora, foi lá em Aratuba. Depois
fiquei sabendo que era porque eu tinha sido ameaçado de morte.
OP – E como foi essa ameaça?
M – Eu estava um dia aqui em Fortaleza e ia voltar para lá. Ai o Moslair foi
avisado para eu não ir. Quando eu cheguei no outro dia fiquei sabendo que duas
pessoas estiveram lá me procurando sem se identificar. Mas só foi isso.
OP – O senhor chegou a ser preso alguma vez?
M – Não. Nem nunca prestei depoimento. O padre Geraldino, de Crateús, foi preso
uma vez, porque foi a um encontro que quem era para ir era eu. O Tito (frei),
vivia aqui em casa.
OP – O senhor só foi padre em Aratuba e Cascavel?
M – Passei quatro anos em Fortaleza e 32 anos em Aratuba. Cheguei lá em 1970.
Dom Aloísio dizia: ‘Moacir, não quero que você saia de Aratuba, não. Eu quero
mandar todos os seminaristas estagiar em Aratuba”. Tenho umas cartas lindas
dele. E ele não dizia para ninguém que mandava as pessoas para lá.
OP - Quantas pessoas foram?
M – Incontáveis. O primeiro foi o padre Almir, que é reitor do seminário.
OP – O que dom Aloísio conversava com o senhor sobre essa experiência?
M – Olhe, eu passei um tempo em Palmácia, e um dia, em um sábado, seis pessoas
foram expulsas de três casas de uma fazenda. Como não tinham para onde ir,
ficaram na casa paroquial. Eu liguei para dom Aloísio. Ele chegou no domingo
lá, na casa paroquial, e depois fomos para a igreja. Tinham 600 pessoas. O Zé
Maria ficou na igreja fazendo os cânticos e eu fui a delegacia. Chegando lá,
não tinha nem ordem de expulsão, nem nada. Eu disse para dom Aloísio. E
perguntei: ‘o que vamos fazer? Eu boto em votação?’. Ele disse, bote. Quase todos
votaram para eles retornarem à fazenda. Saímos todos em procissão às nove da
noite, com dom Aloísio na frente. Em cada fazenda deixávamos a família e ele
fazia uma oração e uma benção. Chegamos na terceira fazenda às 15 para às três
da madrugada. Eles tinham destelhado as casas e as pessoas recolocaram na hora
as telhas. Uns três quilômetros de distância. No final ele confessou: “estou
tão feliz”. Eu chegava em Fortaleza, e quando ele me via, dizia: ‘padre Moacir,
entre, me traga notícias boas de Aratuba’. O monsenhor Portela: ‘não entrem,
vocês matam o cardeal’. Eu respondia: “rapaz, vocês ai de Fortaleza não matam,
imagine eu lá de Aratuba”. O Tasso, quando foi eleito, disse: ‘dom Aloísio, o
que é que eu faço para estar com os pobres?’. Ele disse, procure o padre
Moacir. “Converse com ele que ele sabe”.
OP – Ele lhe procurou?
M – Procurou. Mas queria que eu fosse prefeito. Ele disse: ‘o senhor faça um
apanhado de todas necessidades do município de Aratuba que eu dou um jeito para
o senhor transformar Aratuba em um município modelo’. Eu respondi: ‘Tasso, eu
não sou filiado a nenhum partido e nem eu dou conta da paróquia’. Eu já tinha
levado os candidatos lá na paróquia para conversar com o povo. Depois ele me
procurou e pediu para conversar reservadamente no Palácio. Mas eu fui tentado
outras vezes. O Gonzaga Mota, quando governador, telefonou para mim para ser
candidato a senador, na vez que entrou o Cid Carvalho. Mas eu sempre apoiei a
esquerda. O Iranildo Pereira e a Maria Luiza, de dois em dois meses, visitavam
Aratuba. Eles tinham maioria lá em toda a eleição.
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